sábado, 20 de março de 2010

Diário no encalço dos Incas - Parte V


LENTIDÃO DO TREM DA MORTE


O Trem da Morte pára muito mais que os "pinga-pinga" do nordeste. São paradas em pequenos povoados muito pobres. Os vendedores entram no trem e vendem de tudo. Limonada, refrigerante, refições prontas, limão...
A velocidade é bastante lenta, o André até agora ainda não se acostumou. O meu estranhamento foi diminuindo. Os bolivianos são acolhedores, estão sempre conversando conosco. A noite entrou e a ameaça de ataques de monsquitos não se concretizou.
A verdade é que estamos todos menos desconfiados, mais relaxados e adormecidos. Desmaiamos todos nós. A noite passou tranquila. Hoje são 07 de janeiro de 2005 e estamos a 100km de Santa Cruz de La Sierra. O trem segue lentamente. Estou respirando um ar puro e avistando a sempre mesma paisagem: árvores amontoadas, baixas, não muito charmosas. Lembram aquilo que nós, no Brasil, chamamos mato.

ALIMENTAÇÃO NA ESTRADA

Nossa alimentação na estrada são barras de cereais e frutas em passas. Ontem quando fizemos a primeira parada da noite, depois de longo tempo de viagem, atordoados pelo calor e tomando água quente, avistamos uma banca na beira do trilho que vendia coca cola.
COCA-COLA


Nós que tando criticamos outrora o capitalismo e o imperialismo americano, estávamos ávidos por uma cola-cola. Reconhecemos a importância da presença dessa marca naquele longínquo lugar. Foi um prazer e uma satisfação indescritível. Entendemos que a globalização tem suas vantagens. E sentimos isso organicamente. Seguimos agora rumo a Santa Cruz.

ENTRANDO EM SANTA CRUZ DE LA SIERRA E AVISTANDO POLÍTICA

Estamos começando entrar nos arredores da Santa Cruz. Nas casas simples, como sempre, avistamos bandeiras nas faixadas. São bandeiras dos partidos políticos que as famílias escolheram no recente processo eleitoral, a partir do qual foram eleitos os "ALCAlDES" (prefeitos). Os candidatos a "alcalde" derrotados são os "consejales" (conselheiros). Há também a eleição para presidente, deputados estaduais e federais.


PRIMEIRO FURTO

Enquanto o Fernando me explicava o processo eleitoral boliviano, exatamente agora, um homem furtou o boné do Chicura. Esse foi o primeiro furto por esse grupo. O boné dele foi arrancado da sua cabeça pela janela do trem. Coisas da vida. Estamos tranquilos, sabemos das "fábulas" e das verdades sobre essa terra. É como no Brasil. Chegamos na Rodoferroviária de Santa Cruz às 9h e 15min. Imediatamente compramos as passagens para La Paz. Em minutos já não havia mais uma sequer. Aprendemos bem a lição (É certo que os preços das passagens variavam conforme a nacionalidade de cada pessoa, os do primeiro mundo pagavam mais. Isso era decidido na hora a partir do olhar do vendedor).

PRIMEIRA PENSÃO

Railton, Chicura e Saldanha na estação de trem de Santa Cruz de
 La Sierra

Liguei para os padres da ordem Ad Vincula, conhecidos meus, e não conseguimos estabelecer uma muito clara comunicação. O espanhol às vezes é difícil de ser entendido. Procuramos, em seguida, uma pensão com cinco camas, TV à cabo e banho fresco por oitenta bolivianos (com um dólar compramos 8 ou 9 bolivianos à época). Estamos de banho tomado, descansando um pouco e nos preparando para sair para o almoço.

O BOM COMANDANTE: ERNESTO CHE


O comandante Ernesto Guevara de La Sierna passou pr essa cidade. Sua mais conhecida trilha vai até um lugar mais ou menos próximo daqui, Vallegrande. Segundo o que nos disse o Fernando, o militar que recebeu ordens maiores para executar o Che ainda está vivo. Ele não teve coragem de matar o comandante. Ordenou a um soldado que o fizesse.

TRAJETÓRIA E MORTE DE GUEVARA


O Che iniciou seu trabalho dialogando, palestrando para os camponeses. As testemunhas afirmam que era um homem estremamente educado. Afirmam também que ele já chegou por aqui um pouco adoentado. Não previa que o mato era tão fechado e difícil para fazer trilhas. Passou a ser intensamente perseguido. Quando os militares o encontraram, segundo o que afirmam, ele era acolhido e ajudo por camponeses numa TAPERA. Estava muito doente e debilitado (magro, cabeludo, barbudo, sujo, esfarrapado). O final da história todos sabem. O Che perdeu a vida pelas mão de um covarde que para atirar teve que ser embriagado. Tomaram posso de um único bem que ele tinho, um relógio. O comandante fez um apelo para que não errasse, mas foram vários tiros para que conseguisse vitimá-lo com morte(segundo afirmam, o Che se contorcia e mordia os pulsos, a fim de evitar gritar por causas dos tiros acertados nas suas pernas e braços, até que a agonia foi terminada com um tiro fatal no peito). Ernesto Che era um bravo guerreiro da justiça e um grande mestre do socialismo. Ensinava com paciência e lutava com paixão.