BOAS
FÉRIAS COLEGAS PROFESSORES
Hoje
é um dia feliz e triste. Feliz porque marca o início das férias de milhares de
professores no país e, especialmente, em Goiás, estado que mantém uma conquista
histórica: férias dos professores no mês de julho. Direito que muitos proprietários
de instituições de ensino de educação básica querem abolir pelo menos
parcialmente, disfarçadamente, com a justificativa da iminência da prova do tal ENEM.
Ao amanhecer, depois de
poucas horas dormidas, pois fiquei até de madrugada corrigindo provas infindas,
ainda precisei fazer um movimento mecânico de virar centenas de folhas de
provas, já corrigidas, para poder somar uma por uma e lançar as notas na
planilha (em muitas escolas devemos depois de tudo isso lançar em um sistema
que se encerra em hora determinada, impossibilitando ao professor qualquer
segundo de atraso, como no esquema fordista-taylorista).
Os professores da escola
privada são submetidos a um esquema rotineiro de ministração de aulas e aulas e
aulas, elaboração de provas e correções contínuas. Muitos colegas preferem
terceirizar a correção, contratando corretores (e vejam como a terceirização
conforme o que reza o projeto de Lei do Dep. Sandro Mabel, tem como único
objetivo claro, a precarização das relações de trabalho, com a perda objetiva
dos direitos trabalhistas que passam a se perderem em cadeias infindas de
transferências de responsabilidades e de instabilidade configurada na
efemeridade do contrato de trabalho que em muitos casos não chegam à 12 meses).
A LDB estadual obriga as
escolas a destinarem um terço da carga horária para hora-atividade, destinadas
a esse tipo de trabalho. Essa lei não é regulamentada em Goiás. As escolas não
têm limites. Colocam provas todas as semanas. Algumas obrigam o professor a
elaborar provas até duas vezes por semana. Além disso, são submetidos à
elaboração contínua de recuperações contínuas, simulados de ENEM e
VESTIBULARES, à vontade do empregador, sem limites. O professor que não recebe
nada por isso, deve se submeter. Caso contrário, levantado a voz, teme por seu
emprego. A cultura goiana, tradicionalista e conservadora, vê nessas escolas que
adestram alunos, que os mantêm cativos num processo de assimilação, repetição e
reprodução, de “telespecção” passiva de aulas e aulas, o ideal de educação para a competição e inserção no mercado. Aprova, portanto, o sistema de reprodução irracional
de provas, simulados, provas, recuperações, provas, segundas chamadas,
simulados ENEM, simulados de recuperação, provas, novas provas, outras provas,
aulas, aulas show e provas.... E o mais grave, os professores não recebem por todo esse
trabalho. Mais-valia pura. Aqueles que pagam corretores podem mensurar a mais-valia
que produzem para seus patrões ou que já produziram ao longo desses anos todos.
Não tenho dúvida que somam dezenas de milhares de reais.
Isso sem falar nas
professoras da EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO FUNDAMENTAL. Em geral, levam uma
pilha de cadernos de alunos, planilhas, planejamentos semanais, quinzenais,
mensais, bimestrais ou semestrais, sem remuneração alguma para tanto.
Digo sem remuneração porque
o professor do setor privado recebe por “aula em pé”, ou seja, hora aula. Todas
as demais atividades, reuniões ou provas a elaborar ou corrigir, não entram no
cálculo do pagamento. O que configura, como já foi dito, a mais pura e límpida
mais-valia. Tanto é verdade o que digo que muitos proprietários de escolas não
se importam em criar provas, e provas em modalidades novas, por saberem que os
professores se submetem e corrigem sem a ninguém reclamar. Isso sem falar no
desvio de função docente, muito comum em Goiás, que obriga professoras e
professores a montarem festas juninas, limparem a escola, fazerem matriculas...
Comecei minha história de professor de escolas
particulares em 1997. Antes eu já tinha experiência como orador em movimentos
religiosos, inclusive grandiosas experiências de falar a milhares de pessoas em
grandes ginásios ou estádios pelo país a fora.
Como professor já tive
muitas, muitas, muitas alegrias. Gosto muito do que faço. Gosto muito de
ensinar filosofia e cidadania para a juventude.
Ao longo do meu caminho já vi
todo o tipo de desrespeito ao professor. Eu mesmo fui vitimado algumas vezes.
Diretores proprietários, ou coordenadores subalternos, entrando na sala de aula
e repreendo o professor frente aos alunos com toda a grosseria. Vigias que
lembram, pobres coitados, seguranças de boates, constrangendo e intimidando
professores e alunos com olhares invasivos por janelas feitas nas portas das
salas de aula. Coordenadores gritando loucamente para professores ou para
alunos pelos corredores da escola. Tudo isso e muito mais já vi. Meus colegas
podem relatar muito mais. Ameaças de demissão por nada. Assédio moral. Obrigar os professores a visitar portas de faculdades em dia de vestibulares. Correções
gratuitas de provas de vestibulares. Aulas de reforço ou extras gratuitas.
Participação em reuniões de pais ou atendimento a alunos sem recebimento nenhum
por isso.
Mas hoje, dia que marca o
início das minhas férias, eu que sou um dos dirigentes do SINDICATO DOS
PROFESSORES DA REDE PRIVADA DO ESTADO DE GOIÁS, pude sentir na pele o que é o
desrespeito ao professor.
Trabalho dia e noite para
ganhar cada centavo de meu salário, destinado a pagamento de impostos, contas e
mais contas. Não tenho cargo público ou empresa paralela à minha atividade
docente. Vivo de minhas aulas. Em geral, trabalho em três turnos como muitos
colegas. O tempo que me resta livre quando não estou em sala de aula nos três
turnos é dedicado ao SINDICATO e à elaboração e correção de provas.
Pois bem, hoje acordei
feliz, como geralmente acontece. Fui até as escolas que trabalho para entregar
as provas corrigidas que ainda estavam em minha posse e receber as minhas
férias já que não pude fazê-lo antes por estar trabalhando.
Todos sabem que o pagamento das suas férias deve ser
realizado dois dias antes do gozo das mesmas, sendo o salário de julho+1/3 das
férias. Mas o que encontro ao reclamar meu direito? A primeira escola diz: só
pagaremos as férias no dia do pagamento de junho, no quinto dia julho. A outra: não sabemos ainda
como ficará o pagamento das férias. Fiquei sabendo que o meu caso é o mesmo de
centenas de colegas. O que nos resta? Denunciar ao SINDICATO, à Justiça do Trabalho,
ao Ministério Público do Trabalho.
Ou seja, a realidade de precarização do trabalho é generalizada. Temos
uma taxa baixa de desemprego no Brasil atualmente. Mas lhes pergunto: que
emprego ou subemprego é esse e sob quais condições objetivas e legais está assentado?
Fico muito decepcionado com a realidade da educação brasileira. São
poucas as escolas privadas que valorizam o professor. Quanto ao Estado e ao
Município, já somos sabedores da precarização imposta pelo governador Marconi
que retirou e continua retirando direitos dos professores e do caso do prefeito
Paulo Garcia que amarga uma greve que com seus integrantes ocupando a Câmara
Municipal, exigindo o mínimo de dignidade e de respeito aos direitos dos professores
do município.
Quanta irresponsabilidade de empresários e do Estado. Essa moçada que
estamos formando, parafraseando Renato Russo, é o futuro na nação... “vamos
fazer nosso dever de casa, aí então vocês vão ver nossas crianças derrubando
reis, fazer comédia no cinema com as suas leis”. Como consolidar o projeto de uma
grande nação com essa EDUCAÇÃO MEIA BOCA?
São poucas as escolas privadas que respeitam o direito de férias do
professor. Em geral, são as confessionais tradicionais. Aquelas que ainda são
tipificadas como filantrópicas. As demais, em sua maioria, não respeitam a
CONVENÇÃO assinada como o sindicato dos professores. Negam direitos primários:
assinatura na carteira de trabalho, pagamento de descanso remunerado, pagamento
de hora aula sobre 5.25 semanas, pagamento de férias e décimo terceiro.
Em fim, estamos vivendo um momento complicado da EDUCAÇÃO no país. A
sombra da escravidão, da servidão e ditadura que silenciava os trabalhadores,
está pairando sobre nós.
Grande parte das vagas oferecidas para a educação básica é oriunda do
setor privado e a MAIOR PARTE das vagas ofertadas para o ENSINO SUPERIOR (mais
de 80%) é ofertada também pela rede privada.
Sabemos que a maioria dessas instituições está focada (obcecada) em
aprovações em exames (ENEM, VESTIBULARES, ENADE). Ou seja, tudo gira em torno
das avaliações. Todos passam a estudar os critérios das avaliações e como
treinar melhor os alunos para o sucesso em suas resoluções. Como dizia Foucault
em Vigiar e Punir, a escola é um lugar de realização ininterrupta de exames.
Não encontramos escolas, por exemplo, em Goiás, com um centro olímpico
ainda que pequeno. Os estudantes, quando muito, ficam ali presos nessas escolas
durante um período e voltam depois para casa. Não encontram emprego como
aprendizes ou oportunidades de ingressar no primeiro emprego. Muitos jovens não
veem sentido de estar na escola, como já não viam na própria família.
Resultado: suportam a escola por causa das amizades, da merenda, da
criatividade dos professores com seus projetos heroicos. A conta é simples,
muitos serão aliciados pelo tráfico, pela criminalidade. Aí setores conservadores
da sociedade civil, orquestrados pela mídia, vão clamar mais uma vez pela
redução da menoridade penal sem antes garantir aos jovens direitos básicos de
educação e políticas de lazer, desporto e cultura.
O que vemos, portanto, é a inserção de centenas de jovens na
criminalidade.
Imaginem se a escola fosse de fato integral, se possibilitasse aos
alunos a iniciação esportiva na natação, atletismo, basquete, vôlei, futebol ou
artes marciais. Ou mesmo na iniciação artística e musical para aprenderem a pintar,
tocar um instrumento ou atuar.
Mas não. O que vemos é a escola que confina, enfileira e fica repetindo
aulas, aulas, provas, provas, simulados, simulados. Tudo isso sem estética,
cidadania, sem consciência política ou filosófica.
O que podemos esperar de um país que silenciosamente assiste a tudo isso
e consente?
Caso não façamos nada agora, o futuro de nosso país será sombrio.