Por uma educação filosófica
Railton Souza
Railton Souza
Mesmo depois de mais de uma década de discussão sobre ensino de filosofia, a realidade atual não é muito animadora. Quais os motivos que nos levam a tal constatação? Quais avanços políticos obtivemos? Como é prevista a formação de professores nos currículos de licenciatura nas universidades de Goiás? Foi produzido um currículo na Secretaria Estadual de Educação para a disciplina filosofia a fim de orientar o trabalho nas escolas de ensino médio? Quem está lecionando filosofia nas escolas – principalmente na pública – e sob quais condições? Que contribuições concretas os professores das graduações em filosofia estão oferecendo para consolidar mercado de trabalho para essas centenas de licenciados que concluíram sua licenciatura nos últimos anos? E a filosofia nos vestibulares por que ainda não se consolidou?
É bem verdade que no final do ano de 1998, com base na LDB 93/94, foi aprovada na Assembléia Estadual de Goiás uma lei que garantiu a obrigatoriedade disciplina filosofia nos currículos de ensino médio e da ética no ensino fundamental. Nesses últimos seis anos a disciplina foi implantada nas escolas de forma caótica. Professores de outras áreas passaram a utilizar as aulas de filosofia como complementação da carga horária mínima necessária para contratação. Ainda hoje, mesmo depois de promessas de concursos, são poucos os professores licenciados em filosofia que ocupam vagas no ensino médio público. É mais que urgente – por parte dos departamentos de filosofia e educação – a realização de uma pesquisa para constatar a realidade dos campos onde, supostamente, os acadêmicos farão seus estágios.
Que bom que o parecer 38/2006 ( http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto.asp?id=1781 ) tornou definitivamente obrigatórias as disciplinas filosofia e sociologia em todas as escolas brasileiras. Mas o que as Secretarias de Educação, as universidades e professores estão de fato fazendo, para tornar efetivo esse parecer?
Além do mais, essas escolas ainda não são orientadas por um currículo adequado. Oferecem ao professor de filosofia apenas uma aula semanal, o que torna inviável um trabalho mais profundo.
O que nos parece é que o ensino de filosofia nas escolas de Goiás – salvo algumas exceções – ainda corre o risco de ser julgado como uma farsa. Precisamos dizer isso aos estudantes que estão sendo formados pelas universidades.
O problema do ensino de filosofia deve ser pensado desde a formação do professor nos cursos de graduação. Os currículos de licenciatura em filosofia deveriam ser concebidos de tal maneira que o problema do ensino estivesse presente no todo curricular nas especificidades das disciplinas. Não é mais aceitável depositar a responsabilidade da formação específica da licenciatura em três ou quatro disciplinas didático-pedagógicas. Os professores das graduações e do ensino médio não deveriam se furtar das discussões e embates acerca das questões políticas e mercadológicas; daquelas sobre a organização de instituições representativas de classe e demais problemas que circundam o ensino de filosofia em Goiás.
Um obstáculo que ainda impede o avanço dessa discussão é um preconceito que subsiste entre os acadêmicos. Aquele que vê a docência como o refúgio daqueles que não seguiram a vida de pesquisadores – por inaptidão. No final das contas, para o prejuízo geral, caímos no cotidiano cumprimento de tabelas. Uns fingem que formam professores, outros que ensinam filosofia nas escolas e outros que aprendem.
A Secretaria de Estado da Educação está, com dificuldades, criando um currículo para as disciplinas filosofia e sociologia presentes no ensino médio. Só um bom currículo e bons profissionais superariam, nas escolas, a lógica do “faça do jeito que der para ver como é que fica.”
Nas escolas privadas a realidade é aquela que todos sabemos, a mercantilização e preparação para os exames de ingresso na universidade. Nelas os professores se encontram em condições de sujeição, num espaço-limite de poder, controlados pelas regras do mercado. A escola atual é um lugar cuja a trama de poderes caracteriza bem o que Deleuze denominou sociedade de controle.
Os departamentos das universidades e a Secretaria de Estado da educação continuam desenvolvendo seus trabalhos nessa rotineira cotidianidade. Todavia, as condições concretas do ensino de filosofia em Goiás não mudaram significativamente.
Além de sermos guardiões da ortodoxia filosófica européia por meio da arte de interpretar com exatidão e genialidade o pensamento alheio, devemos nos debruçar sobre essas questões haja vista que a filosofia no ensino médio é um canal aberto para a educação filosófica de um país inteiro, de gerações. Para fazer isso é necessário superar essa tendência brasileira em reduzir a atividade filosófica a uma estéril perspectiva de um suposto pensar pelo pensar – autarquia – que na verdade esconde uma covardia e um medo de mostrar a cara para o mundo e de assumir posições próprias.
O mundo atual precisa de filósofos. O que aconteceu por aqui foi a transposição do meio para o fim. O processo-meio tornou-se a finalidade. A pesquisa e a interpretação ortodoxa dos clássicos – que formaria livres pensadores - foi engessada enquanto processo, formando não-pensadores. Os especialistas ao final de sua formação têm imensas dificuldades de discutir e dialogar até mesmo com outros especialistas - quem dirá com as pessoas em geral de outras áreas. A saber, é raríssimo ver filósofos brasileiros se posicionando politicamente, dando entrevistas sobre questões contemporâneas, científicas, bioéticas, econômicas e ou de qualquer outra ordem. O processo tomado como fim fossilizou a cabeça de muitos, constituindo-se como um verdadeiro obstáculo epistemológico.
Por conseguinte, é importante saber que os próprios filósofos europeus – especialistas e professores – estão voltados para as questões contemporâneas sejam elas políticas, econômicas, biotecnológicas ou ambientais. O que fazemos nós aqui na colônia? Interpretamos com genialidade o que os antepassados deles pensaram outrora. Pensamentos que nem a eles é tão interessante mais.
Devemos ter muito cuidado com o processo da formação filosófica pois nele a inventividade e a capacidade de criação podem ser fatalmente liquidadas. Na busca de formar filósofos por meio de uma rigorosa metodologia, corremos o risco de formar repetidores ineptos, incapazes de pensar por si mesmos.
Aqui em Goiás onde estão os nossos gênios? Trancafiados na academia? É preciso abrir as portas e as janelas do mundo acadêmico, sair um pouco da caverna para ver a luz do sol e conversar com as pessoas nas praças a fim de saber como anda o mundo e a vida, saber o que aflige e angustia o homem atual. Durante essa semana, topamos o desafio de conversar com os reeducandos do presídio POG, antiga Cepaigo. Nos deparamos com homens e mulheres ávidos de saber e abertos a pensar o mundo e a própria vida. Como eles, imaginem, quantos quereriam ter o privilégio de conversar com essa já tão extinta espécie da “fauna humana” : o filósofo.
Essa menoridade na qual nos metemos é irritante: Se o filósofo sobre o qual sou especialista não pensou isso, também não posso opinar. O sonho de muitos desses colegas era ter a possibilidade de contatar os mortos para que eles pensassem o mundo atual no lugar deles. E suas cabeças foram feitas para quê?
Somos filhos de outro tempo, imersos noutro contexto com desafios fabulosos nas áreas políticas, tecnológicas, religiosas e sobre tudo no diz respeito à subsistência da vida e da espécie humana, nunca antes tão ameaçada por problemas ambientais e pela desigualdade social.
O que nos preocupa é essa insistente continuidade de uma cultura da repetição filosófica que dá mérito de pensador a quem não merece mérito algum por não saber pensar ou por ser covarde. Como dizia Voltaire na sua obra Cândido, os filósofos tremem de medo. Estamos viciados na repetição mental de conceitos da tradição, mas não sabemos relacionar numa operação simples, esses conceitos com quase nada. O mundo estreito dos filósofos lhes dá a sensação de estarem na vastidão do ilimitado.
Precisamos levar a filosofia ao homem comum. Um caminho possível para tanto seria a escola. Consolidar uma educação filosófica que gerasse movimentos que extrapolassem com o tempo a universidade e a própria escola, que devolvesse a filosofia às praças e ao coração humano. Não vamos nos reduzir a cabeças deslocadas do tempo/espaço e portadoras de teorias frias, descontextualizadas e essencialistas. Devolvamos a filosofia à infância criadora, contestadora e genial. Se não fizermos nada, continuaremos como neo-coloniais filósofos – meritosos mestres - esperando novidades atrasadas dos mestres da metrópole, ao passo que esses mesmos já estarão envoltos em outras novidades.
Se não levarmos a sério a Educação Básica e nela as disciplinas filosofia e sociologia, principalmente no ensino médio, o Estado de Goiás matará de inanição as já deficitárias licenciaturas em filosofia. Corremos, assim, o risco de sermos extintos semelhantemente aos dinossauros.
Nobre Railton, realmente o ensino de filosofia é uma questão inacabada, parabéns pelo texto... Quero dizer na verdade que é uma grande satisfação esta aqui com você, e buscarei participar mais... Bom reencontrá-lo depois de algum tempo.
ResponderExcluirAbraço grande,
Jorge Lima
Nobre Railton, parabéns pela leitura feita em relação ao ensino de filosofia, pois esse assunto ainda é inacabado. É um prazer esta aqui om você, em verdade digo que é muito bom reencontrá-lo depois de algum tempo.
ResponderExcluirAbraço grande,
Jorge Lima
E ai Railton, a preocupação com a filosofia no ensino médio está apenas iniciando. Vamos ver as respostas que os professores irão apresentar quanto estiverem na arena, isto é, na sala de aula, será que pregarão no deserto com sues métodos antiguados? ou irão revolucionar, romper, utilizando didáticas inovadoras. Criei jogos para contribuir com esta difícil tarefa. Não os ignore pode ser uma saída. Prof. Eduardo Corso. 20 anos de experiência em ensino de filosofia
ResponderExcluirQuero parabeniza-lo pela iniciativa deste blog, realmente a vida nos leva a um ativismo intenso onde nem sempre há espaço para o pensar. Nossa sociedade tem se pautado em valores fúteis e supérfulos e as pessoas não refletem o resultado disso. Realmente será de grande importância a conquista de espaço para a filosofia no Ensino Fundamental, Médio e Superior. Quem sabe assim, com o tempo, conseguiremos mudar os rumos da nossa sociedade, pois o abismo está próximo. Um beijo. Milka
ResponderExcluirprofessor.
ResponderExcluirmuito bom esse blog.
serve como fonte de estudo.
flw
Parabéns pelo texto professor, realmente é muito fraco e as vezes ridicularizado o ensino de filosofia e sociologia nas escolas publicas. Acredito que se estado exigi-se mais da direção e dos alunos, não só com a filosofia, mas com todo o conteúdo que é ensinado no ensino médio, não séria necessário, por exemplo, todo esse estudo para criar novos métodos de entrada nas universidades.
ResponderExcluirA.V.R.
Acho fundamental se filosofia fosse uma disciplina exigida desde o Ensino Fundamental para não haver pessoas como eu que não a tive ficar de certa forma fora de um contexto mais claro sobre filosofia.Pelo pouco tempo que sou sua aluna te admiro cada vez mais e achei seu blog brilhante. Um abraço Eliana
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