Feliz noite do professor!
Faço minhas as palavras do eterno
Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar a beleza ser um
eterno aprendiz. Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não
impede que eu repetia: É bonita, é bonita e é bonita”.
Hoje é o dia do professor. Aqui
em Goiás, em geral, estamos trabalhando em sala de aula nesse dia a nós
dedicado. A data não é considerada no calendário oficial das escolas feriado.
Algumas instituições fazem permutas, concedendo folga ao professor em outro
dia. Mas a grande maioria delas nem isso faz. No máximo oferecem um lanche
comemorativo.
No meu imaginário vem muitas
recordações desses quase vinte anos de sala de aula. Quando comecei era início
do ano de 1997. Recordo-me quando entrei em sala de aula pela primeira vez. Ao
abrir a porta da sala de aula encontrei várias crianças na faixa etária de dez
anos, com olhos brilhantes e arregalados, cheios de vida olhando para mim. Eu
tinha a missão naquele tempo de ensinar filosofia para crianças. Como foi
empolgante perceber como as crianças são autênticos pensadores. Cheias de perguntas
e ideias. De lá para cá foram tantas experiências. Anos e anos dedicados ao
ensino médio e superior. Trabalhei em tantas escolas. No ensino superior formei
advogados, administradores, pedagogos, engenheiros, filósofos entre tantas
outras profissões.
Acordei hoje me perguntado o que
é ser professor e o que isso significa para mim. Hoje será um dia longo.
Estarei em sala de aula nos três turnos. Começo agora, sete da manhã, e só
termino por voltas das vinte e duas horas.
A primeira imagem que me vem para
compreender o meu fazer, e o seu sentido, é aquela do semeador, utilizada já
antes de Cristo pelos sofistas gregos, primeiros sistematizadores da educação
no nosso mundo ocidental. Ser professor é lançar sementes, é cuidar da terra,
cultivá-la. Encontramos terrenos mais férteis e outros mais áridos. Mas nossa
missão é criar as condições para que a vida germine, para que a humanidade
floresça e dê muitos frutos de civilidade, de sensibilidade, de criatividade,
de fraternidade e solidariedade.
A educação institucional, nesses
tempos de prevalência de uma racionalidade instrumental, reduziu-se à
adequação, à adaptação. Os professores têm como missão, especialmente no ensino
médio e superior, preparar os discentes para a inserção na dinâmica da produção
e consumo.
O sucesso do nosso trabalho,
portanto, está diretamente relacionado aos índices de aprovação nos sistemas
nacionais de avaliação. Nossa missão é mesmo de treinar nossos alunos para
realizarem provas. A escola tornou-se uma sede de produção em série,
ininterrupta de avaliações. A mecânica da sala da aula, a rotina dos
procedimentos, a racionalizações dos processos, o controle rígido do
cronômetro, das horas, dos minutos e dos segundos. O calendário de aulas,
provas e a contagem regressiva para o dia da avaliação do Enem ou do Enade é a
bússola que orienta nossa direção.
Por vezes, essa mecânica escolar
própria de uma racionalidade que não pergunta os “para quês” do que faz, torna
nosso ambiente de trabalho educativo robotizado, frio e até mesmo desumano se
pensarmos que o afeto e a sensibilidade são dimensões centrais de nossa
humanidade.
Nessa lógica, recordo-me de
Friedrich Nietzsche e arrisco pensar como seria uma educação nietzschiana.
Certamente não seria “apolínea”, mas permitiria que o “dionisíaco” desse vasão
à nossa vontade de potência, o que faria a vida fluir. Seria uma escola onde a
criação, a música, a dança, o experimento, a alegria e os sentimentos mais
nobres estariam nos ares o tempo todo...
...Comecei esse artigo pelas sete horas da manhã e não consegui termina-lo pois fiquei em sala de aula durante a manhã,
a tarde e noite. Acabei de chegar em casa. São vinte e três horas do dia 15 de outubro de
2015. Estou exausto, mas incrivelmente vivo, cheio de disposição. Minha família
já dorme. Estou assistindo o programa Diálogos transmitido pela Globo News que
entrevista o professor de direito Dalmo Dallari, emérito da USP. Ouço com muita
satisfação a análise do catedrático, embasado na Constituição Federal, sobre a
impertinência dos pedidos de impeachment que são apresentados contra a
mandatária da nação. Concluo então que o grande mal dessa nação é a ignorância.
O professor Dallari faz uma reflexão sóbria sobre a inconformação da oposição
com a derrota, o que afunda o país numa crise política que se materializa e se
agrava como crise econômica. Sim a ignorância aqui não é só gnosiológica. É
acima de tudo moral, espiritual. Ela é a expressão do atraso, do primitivismo
civilizacional, que se converte em corrupção e outras formas desviantes de
conduta.
Pois bem, voltemos a nossa
questão central. O que é ser professor para mim? Não vejo minha profissão com
heroísmo. Sei dos seus limites. Sei como são diferentes as realidades dos
professores da rede pública e privada, dos níveis diferentes de ensino. Sei
como a mercantilização e a proletarização da profissão professor intensificada
depois da década de 1980 provocou a depreciação da carreira docente. O
professor passou a ser um meio, um instrumento, uma máquina de dar aulas e
gerar mais-valia para os proprietários das instituições de ensino. Reduziu-se a
transmissor de saberes vistos, prontos, apostilados, acabados. Todas as
pedagogias foram reduzidas à tradicional, magistocêntrica.
Muitos alunos e até mesmo
proprietários das instituições de ensino veem os seus docentes como pessoas que,
não conseguindo ser médicos, engenheiros ou empresários, foram condenados a ser
professores. Temos que conviver também com a visão negativa e passiva de muitas
discentes, vítimas desse sistema de adequação e treinamento, que não nos
admiram efetivamente, mas olham para nós como alguém que jamais seriam enquanto
profissionais.
Assim, não vejo o professor como
um herói, um idealista, uma madre Tereza ou São Francisco de Assis. Somos
trabalhadores, movidos por sonhos pessoais de realização. Mas sabemos dos
efeitos políticos e sociais do nosso trabalho. Somos nós que mantemos esse
sistema funcionando na medida que formamos todos os profissionais que o operam.
Somos a alma da rasa subjetividade brasileira e da efetiva objetividade dessa
sociedade da produção e consumo.
Nossa profissão é, finalmente,
eminentemente política. A proletarização e fragmentação da educação em pequenas
e grandes empresas de ensino gera em muitos a sensação de isolamento, de
desânimo diante da luta necessária para melhorar as condições reais de salário
e de trabalho.
Na medida que tomamos consciência
de nossa força, de que unidos podemos mudar a realidade da educação, da
política, podemos exigir avanços em nossos direitos. Temos condições efetivas
de vitória e isso deve nos encher de esperança. Ser professor, portanto, é ser
um lutador do começo até o fim. Alguém que não abre mão de ser um grande
mestre, um brilhante educador e nem de seus direitos. Ser professor é lutar
sempre por conquistas não só para sua categoria, mas para todos os
trabalhadores, absoluta maioria do povo brasileiro.
Ser professor é ser a expressão
da consciência que fomenta a construção de uma subjetividade brasileira rica em
arte, filosofia, sensibilidade e justiça. Ser professor é ter os pés no chão e
a partir de aí mirar nas estrelas e saber que há um universo para se conhecer e
conquistar. Ser é ser a força revolucionária que impele a todos a ser humanos
melhores.
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