domingo, 25 de outubro de 2020

Feliz madrugada do professor!

 Feliz madrugada do professor!


Faço minhas as palavras do eterno Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar a beleza ser um eterno aprendiz. Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repetia: É bonita, é bonita e é bonita”.
Hoje é o dia do professor. Aqui em Goiás, em geral, estamos trabalhando em sala de aula nesse dia a nós dedicado. A data não é considerada no calendário oficial das escolas feriado. Algumas instituições fazem permutas, concedendo folga ao professor em outro dia. Mas a grande maioria delas nem isso faz. No máximo oferecem um lanche comemorativo.
No meu imaginário vem muitas recordações desses quase vinte anos de sala de aula. Quando comecei era início do ano de 1997. Recordo-me quando entrei em sala de aula pela primeira vez. Ao abrir a porta da sala de aula encontrei várias crianças na faixa etária de dez anos, com olhos brilhantes e arregalados, cheios de vida olhando para mim. Eu tinha a missão naquele tempo de ensinar filosofia para crianças. Como foi empolgante perceber como as crianças são autênticos pensadores. Cheias de perguntas e ideias. De lá para cá foram tantas experiências. Anos e anos dedicados ao ensino médio e superior. Trabalhei em tantas escolas. No ensino superior formei advogados, administradores, pedagogos, engenheiros, filósofos entre tantas outras profissões.
Acordei hoje me perguntado o que é ser professor e o que isso significa para mim. Hoje será um dia longo. Estarei em sala de aula nos três turnos. Começo agora, sete da manhã, e só termino por voltas das vinte e duas horas.
A primeira imagem que me vem para compreender o meu fazer, e o seu sentido, é aquela do semeador, utilizada já antes de Cristo, pelos sofistas gregos, primeiros sistematizadores da educação no nosso mundo ocidental. Ser professor é lançar sementes, é cuidar da terra, cultivá-la. Encontramos terrenos mais férteis e outros mais áridos. Mas nossa missão é criar as condições para que a vida germine, para que a humanidade floresça e dê muitos frutos de civilidade, de sensibilidade, de criatividade, de fraternidade e solidariedade.
A educação institucional, nesses tempos de prevalência de uma racionalidade instrumental, reduziu-se à adequação, à adaptação. Os professores têm como missão, especialmente no ensino médio e superior, preparar os discentes para a inserção na dinâmica da produção e consumo.
O sucesso do nosso trabalho, portanto, está diretamente relacionado aos índices de aprovação nos sistemas nacionais de avaliação. Nossa missão é mesmo de treinar nossos alunos para realizarem provas. A escola tornou-se uma rede de produção em série, ininterrupta, de avaliações. A mecânica da sala da aula, a rotina dos procedimentos, a racionalizações dos processos, o controle rígido do cronômetro, das horas, dos minutos e dos segundos. O calendário de aulas, provas e a contagem regressiva para o dia da avaliação do Enem ou do Enade é a bússola que orienta nossa direção.
Por vezes, essa mecânica escolar própria de uma racionalidade que não pergunta os “para quês” do que faz, torna nosso ambiente de trabalho educativo robotizado, frio e até mesmo desumano se pensarmos que o afeto e a sensibilidade são dimensões centrais de nossa humanidade.
Nessa lógica, recordo-me de Friedrich Nietzsche e arrisco pensar como seria uma educação nietzschiana. Certamente não seria “apolínea”, mas permitiria que o “dionisíaco” desse vasão à nossa vontade de potência, o que faria a vida fluir. Seria uma escola onde a criação, a música, a dança, o experimento, a alegria e os sentimentos mais nobres estariam nos ares o tempo todo...
...Comecei esse artigo pelas sete horas da manhã e não consegui termina-lo pois fiquei em sala de aula durante a manhã, a tarde e noite. Acabei de chegar em casa. São vinte e três horas do dia 15 de outubro de 2015. Estou exausto, mas incrivelmente vivo, cheio de disposição. Minha família já dorme. Estou assistindo o programa Diálogos transmitido pela Globo News que entrevista o professor de direito Dalmo Dallari, emérito da USP. Ouço com muita satisfação a análise do catedrático, embasado na Constituição Federal, sobre a impertinência dos pedidos de impeachment que são apresentados contra a mandatária da nação. Concluo então que o grande mal dessa nação é a ignorância. O professor Dallari faz uma reflexão sóbria sobre a inconformação da oposição com a derrota, o que afunda o país numa crise política que se materializa e se agrava como crise econômica. Sim a ignorância aqui não é só gnosiológica. É acima de tudo moral, espiritual. Ela é a expressão do atraso, do primitivismo civilizacional, que se converte em corrupção e outras formas desviantes de conduta.
Pois bem, voltemos a nossa questão central. O que é ser professor para mim? Não vejo minha profissão com heroísmo. Sei dos seus limites. Sei como são diferentes as realidades dos professores da rede pública e privada, dos níveis diferentes de ensino. Sei como a mercantilização e a proletarização da profissão professor intensificada depois da década de 1980 provocou a depreciação da carreira docente. O professor passou a ser um meio, um instrumento, uma máquina de dar aulas e gerar mais-valia para os proprietários das instituições de ensino. Reduziu-se a transmissor de saberes vistos, prontos, apostilados, acabados. Todas as pedagogias foram reduzidas à tradicional, magistocêntrica.
Muitos alunos e até mesmo proprietários das instituições de ensino veem os seus docentes como pessoas que, não conseguindo ser médicos, engenheiros ou empresários, foram condenados a ser professores. Temos que conviver também com a visão negativa e passiva de muitas discentes, vítimas desse sistema de adequação e treinamento, que não nos admiram efetivamente, mas olham para nós como alguém que jamais seriam enquanto profissionais.
Assim, não vejo o professor como um herói, um idealista, uma madre Tereza ou São Francisco de Assis. Somos trabalhadores, movidos por sonhos pessoais de realização. Mas sabemos dos efeitos políticos e sociais do nosso trabalho. Somos nós que mantemos esse sistema funcionando na medida que formamos todos os profissionais que o operam. Somos a alma da rasa subjetividade brasileira e da efetiva objetividade dessa sociedade da produção e consumo.
Nossa profissão é, finalmente, eminentemente política. O avanço da proletarização precarizante da atividade docente e o proliferação da fragmentação da educação institucional em pequenas e grandes empresas de ensino gera, em muitos trabalhadores, a sensação de isolamento, de desânimo diante da luta necessária que devemos implementar  para melhorar as condições reais de salário e de trabalho dos professores.
Na medida que tomamos consciência de nossa força, de que unidos podemos mudar a realidade da educação, da política, podemos exigir avanços em nossos direitos. Temos condições efetivas de vitória e isso deve nos encher de esperança. Ser professor, portanto, é ser um lutador do começo até o fim. Alguém que não abre mão de ser um grande mestre, um brilhante educador e nem de seus direitos. Ser professor é lutar sempre por conquistas não só para sua categoria, mas para todos os trabalhadores, absoluta maioria do povo brasileiro.
Ser professor é ser a expressão da consciência que fomenta a construção de uma subjetividade brasileira rica em arte, filosofia, sensibilidade e justiça. Ser professor é ter os pés no chão e a partir de aí mirar nas estrelas e saber que há um universo para se conhecer e conquistar. Ser é ser a força revolucionária que impele a todos a ser humanos melhores. Railton
Texto escrito em 15 de outubro de 2015

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